Sobre as atuais políticas de educação na cidade de Niterói

Postado por fernandopenna em 01/out/2021 - Sem Comentários

A Faculdade de Educação da UFF pauta suas ações de ensino, pesquisa e extensão na íntima relação com a escola e seus profissionais, como entendemos que deva ser a atuação de uma instituição que forma profissionais que prioritariamente trabalham na educação básica, tanto da rede privada quanto pública – em diferentes redes municipais e estaduais.  Assim, independentemente de situações políticas e mesmo de governos, são desenvolvidas parcerias institucionais e também com os sujeitos que fazem a educação pública em diferentes redes públicas, pelos diversos grupos de estudo e pesquisa, laboratórios, observatórios, e também nas disciplinas de estágio, visando a ampliação dos conhecimentos teórico-práticos com/sobre/na/da escola, garantido a efetivação da práxis, tão cara a maior parte de nós.

Estando situada na cidade de Niterói, é bastante natural que a rede municipal de educação, assim como a parcela da rede estadual também situada na cidade, sejam lócus privilegiados dessa relação, embora não somente. Nas escolas públicas da cidade de Niterói, com elas e através delas, se desenvolvem estágios curriculares; projetos de ensino; projetos e ações de extensão no formato de palestras, cursos, consultoria, assessoria; projetos de pesquisa sobre os mais variados temas, linhas e princípios teórico-metodológicos.

Dessa forma, em maior ou menor grau, de acordo com múltiplos fatores, a FEUFF tem sido parceira e colaboradora das redes públicas da cidade (municipal e estadual) na afirmação de uma educação pública, gratuita, laica, igualitária, diversa, humanizadora, socialmente referenciada, mantendo-se como referência nos estudos sobre teorias, práticas e políticas inclusivas e democráticas.

Como instância pública que a nível local, nacional e internacional, dedica-se a produção teórico-prática sobre a educação, seus temas, seus sujeitos e contextos, observamos que há um conjunto de políticas sendo implementadas na educação pública municipal que nos move ao acompanhamento mais atento e a um posicionamento institucional.

Esse conjunto de políticas já vinha sendo implementado há algum tempo, em menor escala e com um viés mais local, com alguma margem de inserção dos profissionais da rede em sua implementação e no apontamento de suas contradições. Nesse momento, desde o início do ano, principalmente por meio das mídias virtuais, a secretaria de educação vem anunciando que esse conjunto de políticas faria da cidade de Niterói uma “Nova Sobral”. Sobral é uma cidade do Ceará que ficou conhecida nacionalmente nos últimos anos por servir de laboratório de implementação de políticas de avaliação/currículo/formação de professores de cunho reformista neoliberal que começaram a ser implementadas no país, sobretudo a partir da década de 1990.

Acreditamos que tal anúncio fere, pelo menos em dois aspectos, a rede municipal de educação de Niterói, a saber: desconsidera a história da rede, seus profissionais, suas especificidades, processos, discussões e acúmulos em diversas temáticas que afetam o debate educacionais, tanto a nível nacional, quanto a nível local. Outro aspecto faz referência ao próprio conteúdo dessa política, que aponta perspectivas bastante distintas dos caminhos e posturas nos quais nos encontramos envolvidos em nossas pesquisas, projetos e nas nossas próprias aulas.

A esse pacote de políticas interligadas que visam o controle do que e como se ensina em todas as salas de aula do sistema envolvido, Freitas[1] denomina de “Reforma empresarial da educação”. Uma perspectiva neotecnicista que visa implementar técnicas que se sobrepõem aos sujeitos e aos contextos, controlando os processos de ensino-aprendizagem, os conteúdos e os métodos pedagógicos, as relações interpessoais e comportamentos esperados dos sujeitos que fazem esse cotidiano, aprisionando estudantes, professores e redes, através de mecanismos externos de avaliação e responsabilização local e individual.

Ao fazer a crítica a essas medidas e políticas, de modo algum estamos afirmando que não haja a necessidade de se promover estudos e políticas que potencializem a avaliação sobre a educação, suas políticas, investimentos, acesso, permanência, objetivos e finalidades, propostas e práticas pedagógicas e da aprendizagem dos educandos. No entanto, tudo isso precisa passar por estudos locais, ser debatido democraticamente por toda comunidade escolar e compreender a avaliação não apenas do que se ensina e do que se aprende, mas das finalidades e processos, considerando ainda as questões externas à escola que sobre ela se impõem, devido às diferentes questões sociais e econômicas que emergem a partir da abissal desigualdade característica da sociedade brasileira e, por conseguinte, desta cidade, agudizadas com a crise sanitária e política decorrente da Covid-19.

Com o objetivo de dar visibilidade ao que se anuncia para Niterói, promover o debate e a ampliação dos conhecimentos e reflexões na comunidade acadêmica, entre os profissionais da educação básica e a sociedade em geral, promovemos, neste mês de setembro, em parceria com o SEPE-Niterói, o “Ciclo de conversas sobre avaliação e vida escolar em Niterói”. Para nossas conversas contamos com a participação do Professor Luiz Carlos de Freitas (Unicamp) e da Professora Roselane Campos (UFSC), que evidenciaram os contextos políticos e pedagógicos que circundam esse conjunto de políticas. A nível local, encaminhamos a conversa com as Professoras Teresa Esteban (FEUFF) e Marta Maia (FEUFF), em conjunto com a Professora Amanda Bastos (SEPE-Nit) para ajudar na análise dos desdobramentos práticos dessas políticas para a rede municipal da cidade.     

Enquanto estamos nos mobilizando para debater o tema com os profissionais da rede, sujeitos diretamente afetados por essas políticas, a secretaria dá início às avaliações centralizadas pela sede com o apelo de fazer uma avaliação diagnóstica do quanto os educandos deixaram de aprender com o afastamento físico das escolas em função da pandemia; anuncia o “novo modelo de eleição de diretores escolares” que subordina a escolha através do voto democrático a uma seleção prévia dos projetos de gestão, restringindo a possibilidade de escolha da comunidade escolar; inaugura a “Casa de Avaliação e Formação” que deve gerir e implementar as ações de avaliação externa e formação delas derivadas. Atividades iniciadas sem sequer terem sido apreciadas pelo Conselho Municipal de Educação e sem o debate necessário com os profissionais da rede e com a comunidade acadêmica da principal Universidade que nela se situa: a Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense. Tais procedimentos, conforme propagado nas mídias, tem a UFF como principal parceira, ainda que a FEUFF sequer tenha sido consultada sobre as mesmas, fato que nos causa estranhamento, uma vez que seja ela a unidade da universidade dedicada exclusivamente aos estudos sobre a educação e a formação de professores para a educação básica. Apenas após o anúncio e do início das atividades citadas, a FEUFF foi convidada a compor a banca de avaliação do processo de escolha de projetos de gestão dos candidatos às direções. Ressalta-se que o aceite de participação se daria sem informações detalhadas do projeto. Dessa forma, a Faculdade de Educação participaria como colaboradora de um projeto pronto, fechado, feito sem discussão com a comunidade escolar, portanto sem a possibilidade de intervir efetivamente para a sua alteração.

Compreendendo que um projeto de eleições de diretores/as de escolas que crie mecanismos de seleção prévia é incompatível com a construção da educação democrática que reflita as escolhas da comunidade escolar, assim como todo o conjunto de políticas em curso, o Colegiado de Unidade, reunido em 13/09, recusou a participação na homologação deste processo.

Dessa forma, reiteramos que a FEUFF não é parceira da SME nas políticas de avaliação, gestão e formação de professores que estão sendo implementadas, ainda que a UFF integre os projetos.

Ante o exposto, a Faculdade de Educação da UFF vem a público posicionar-se contra quaisquer medidas, projetos, políticas de e para a educação pública que se constitua sem a efetiva participação e debate na/com a comunidade escolar, que intencione o controle e a padronização das atividades pedagógicas, em detrimento da autonomia docente, das lutas e discussões acumuladas pela categoria, e que prime pela negação das especificidades da rede municipal e das unidades escolares.

A Faculdade de Educação mantém seu compromisso com uma sociedade democrática, na qual as decisões sejam gestadas pelo coletivo ao qual se direcionam e não importadas de realidades distintas, que sejam cada vez menos tomadas por agentes estranhos aos interesses coletivos e cada vez mais pelos sujeitos diretamente envolvidos e afetados por essas decisões. Uma sociedade que tenha a educação como direito público visando a crescente humanização, o exercício pleno da cidadania, o apreço ao debate e a criticidade e superação das desigualdades que não comporta processos excludentes e impositivos. Nota aprovada por unanimidade na reunião ordinária do Colegiado de Unidade realizada no dia 28/09/2021


[1] FREITAS, Luiz Carlos de. A reforma empresarial da educação: nova direita, velhas ideias. São Paulo: Expressão Popular, 2018.

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